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Brasa acesa: Ticomia resiste como uma das únicas grandes festas privadas do São João da Bahia pós-pandemia



Por Bianca Andrade
Foto: Work Visuals


De fogueira a brasa em dois anos. Esta é a analogia que melhor descreve o cenário de eventos privados durante o São João da Bahia. De 2023 — ano em que as festas voltaram a acontecer no interior do estado após o período crítico da pandemia — para 2025, a Bahia teve uma baixa considerável no número de eventos voltados para o São João.



Mas a esperança de haver fogo novamente existe e é mantida pela brasa que ainda arde no sudoeste da Bahia, a 519 km da capital baiana, em Ibicuí, através do Ticomia, o único dos seis grandes eventos de São João (Sfrega, Brega Light, Forró do Lago, Forró do Bosque e Piu-Piu) que resiste no calendário baiano.



A festa, que acontece na Fazenda ElDorado, completa 38 anos de existência em 2025, e, em entrevista ao Bahia Notícias, Raul Dourado, responsável por dar continuidade ao sonho do pai, falou sobre a responsabilidade que carrega ao resistir no cenário incerto de eventos na Bahia.



"Durante esses 38 anos de evento, a gente tentou manter essa tradição do Nordeste, do Forró, do São João, e esse foi o nosso principal objetivo. O Ticomia surgiu justamente com esse intuito de manter e preservar essa cultura junina que desde aquela época já vinha se perdendo um pouco por conta de outros eventos e outras festividades que acabavam colocando outros ritmos que não fossem forró no São João. A gente sempre apostou muito nisso, meu pai, que começou o evento, e eu que tomei mais a frente entre 2013, 2014, sempre busquei seguir o legado que ele deixou. Tentamos nos repaginar, nos reinventar, inovar colocando conceitos modernos no evento, mas sem perder a tradição, a essência."






O Ticomia surgiu em 1987, pode-se dizer de uma resenha de amigos, quando a palavra resenha nem era aplicada para falar sobre o momento de reunião e confraternização entre os "brothers". Na época, um grupo de estudantes de Agronomia e Veterinária foram passar as férias em Ibicuí e, lá, decidiram criar um bloco para valorizar a cultura local.



A "brincadeira", que sempre teve um propósito, se tornou mais séria quando o Ticomia ganhou grandes proporções, se tornando um dos eventos mais tradicionais do São João da Bahia e movimentando a economia do sudoeste do estado durante o período junino.



Para se ter uma ideia do impacto, de acordo com dados obtidos pela produção do evento em 2023, o Ticomia conseguiu atingir 248 cidades e 19 estados do Brasil. No cenário geral, fora da festa privada, o São João no município teve uma movimentação de R$ 4 milhões na economia local em 2024.



Ao site, Dourado pontuou o que ele acredita ter sido responsável pela fidelização do público do evento: a qualidade do serviço. Para o empresário, o Ticomia se diferencia na entrega. "Acho que o principal fator que é responsável por isso justamente essa questão de manter essa tradição, de manter essa identidade e apostar tanto na qualidade do nosso serviço".



Quem investe no bilhete para curtir a festa paga R$ 690 pelo serviço all inclusive, que conta com open bar com cerveja, água, refrigerante, água de coco, licores, cachaça, além de open food com churrasquinho, acarajé e comidas típicas do São João, algo, que para o empresário, uma festa pública não consegue oferecer, apesar do atrativo dos eventos em praça ser as grandes atrações.



Foto: Work Visuals



Neste ano, a grade do Ticomia contará com shows de Saia Rodada, Calcinha Preta, Dorgival Dantas, Mastruz com Leite, Iguinho e Lulinha, Lordão e Vitor Fernandes.



"Hoje você tem aí um grande investimento por parte do poder público com eventos em praça pública que tem grandes shows, talvez os maiores nomes do Brasil hoje você encontra em praça pública. Então as pessoas às vezes preferem não gastar aquele dinheiro do ingresso, e tá curtindo o show numa prática pública. Mas quando você tem um evento que a atração não é o foco principal, as pessoas tendem a ir pela qualidade de serviço, pela experiência, pelo conforto, pela segurança. E pelo resultado que a gente tem, acho que isso é um fator que acabou mantendo o Ticomia no cenário, quando o cenário não é tão favorável para o setor de eventos."



O São João em praça pública promovido pelas prefeituras das cidades baianas é apontado como um dos responsáveis pela queda no número de eventos privados durante o período junino.



Em 2024, o Bahia Notícias conversou com empresários que citaram a questão como ponto dificultante para atrair o público pagante. "É um novo cenário que atrapalha as festas particulares. O público não vai pagar por um evento particular, já que ele tem todas as atrações de graça na praça", disse Rodrigo Melo, que era responsável pelo Forró do Lago.





A situação também foi pontuada por Paulinho Sfrega, do Forró do Sfrega, quando divulgou um texto explicando o motivo da festa, tão tradicional no São João e que ajudou a cidade de Senhor do Bonfim a ser considerada a capital do forró, deixar de existir.



"Nossa jornada foi marcada por grandes conquistas, e uma delas foi trazer as melhores atrações para enriquecer ainda mais nossa experiência. No entanto, este ano nos deparamos com um desafio único onde lutamos incansavelmente para reverter essa situação, porém sem êxito: as principais atrações que sempre nos encantaram estão comprometidas com outras agendas, contratadas pelas prefeituras do nordeste inteiro para os festejos juninos."



Para Dourado, o pós-pandemia para o setor de eventos, de um modo geral, foi e ainda é algo complicado de contornar. O empresário afirma que a realização do Ticomia em meio a esse cenário é uma resistência para além de manter a tradição da cultura nordestina.



"Teve um período complicado que foi o período da pandemia, e ali a gente percebeu que muitos eventos acabaram se perdendo, alguns cancelaram as edições, outros deixaram de realizar, e a gente veio remando contra a maré. Eu falo isso de uma forma geral, não é só para eventos de São João. Acredito que o setor de entretenimento hoje enfrenta talvez uma das piores crises dos últimos anos. Então, quando, em meio a essa crise, em meio a esse mercado não tão favorável, manter essa tradição é até um lado de resistência nosso. Porque não é fácil."



Foto: Work Visuals



Apesar da queda no número de eventos privados, os dados divulgados pelo Governo da Bahia indicaram que a economia não foi impactada pela redução das festas indoor. De acordo com a Setur-BA, o estado teve uma receita história em 2024, movimentando R$ 2 bilhões, diferente do primeiro São João pós-pandemia, que teve uma movimentação econômica de R$ 1,6 bilhão.



Entre os municípios mais procurados estavam justamente as cidades que se tornaram conhecidas pelas festas particulares: Cruz das Almas, Senhor do Bonfim, Ibicuí, Amargosa e Lençóis.



"Todos esses eventos, tanto o Ticomia quanto as próprias festas públicas, de prefeituras, impactam diretamente na economia, porque eu acho que é uma cadeia muito grande de pessoas que acabam se envolvendo direta e indiretamente. Primeiro, a geração de empregos aqui, a gente tem hoje uma média de 2 a 3 mil pessoas, desde quando o evento começa até quando o evento termina. Fora isso, você tem aluguel de casa, mercados, lojas de roupa, hotelaria, salão de beleza. Enfim, você tem uma cadeia muito grande de pessoas que são beneficiadas com a realização do evento. Isso pode ser percebido na pandemia, que quando o evento não foi realizado, muitas dessas pessoas sentiram esse impacto diretamente por não ter o evento, então acabaram não se beneficiando com isso, com essa geração de empresas, com essa geração de renda, com esse comerciante local e comerciante também de outras cidades."



Toda essa situação com as festas fez com que o empresário percebesse outro movimento, além da preferência pelas praças públicas, o aumento de bate-volta.



"A gente percebeu no ano passado que houve uma crescente na quantidade de excursões e bate-voltas e uma diminuição significativa no número de aluguel de casas na cidade. Ou seja, as pessoas não estão muito mais vindo para a cidade de Ibicuí, mas estão optando em vir para o evento e ir embora. A gente tenta cada vez mais fidelizar esse público e trazer de volta essa galera que a gente está ainda na incerteza, mas mesmo com todo esse cenário, a gente ainda acredita."



Foto: Work Visuals



Apesar dos pesares, para Dourado, o cenário não é definitivo. O empresário repete a declaração dada por Rodrigo Melo em 2024 sobre algo cíclico, mesmo que seja complicado lidar com a questão.



"Eu acho que essa crise no mercado de eventos, e falando especificamente do São João, dentro do evento privado é uma coisa momentânea. Até porque a gente tem eventos de extrema qualidade que deixaram de existir, Forró de Sfrega, Forró do Lago, Forró do Bosque, e eu acho que as pessoas vão passar a sentir falta desses eventos em algum momento. Até porque, eu não sei até quando o poder público vai conseguir continuar tendo esses grandes investimentos em praças públicas. Acho que daqui a um ano, dois ou até um pouco depois acho que esses eventos podem ser que venham voltar a acontecer. Acho que o cenário pode mudar um pouco e favorecer um pouco."



Para 2025, o Governo da Bahia ainda não revelou qual será o investimento total feito no São João. Inicialmente foi divulgado, durante coletiva realizado em São Paulo nesta semana, que o investimento seria de R$ 15 milhões, uma redução de aproximadamente 89,29% em comparação com o valor investido em 2024, que foi de R$ 140 milhões para garantir os festejos nas 13 zonas turísticas baianas.
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