Por Fernando Duarte
Foto: Anderson Riedel/PR
A conclusão pela Polícia Federal do inquérito da tentativa de golpe de estado em 2022 talvez seja um dos documentos mais relevantes do passado recente da história do Brasil. Reúne com detalhes uma parcela expressiva dos artífices do esforço em romper com o Estado Democrático de Direito, ao tempo em que situa os caminhos percorridos por aqueles que se diziam defensores da pátria e da nação. Era um discurso para enganar inocentes, que comoveu quase metade da população em outubro daquele ano.
Antes da PF indiciar Jair Bolsonaro, Braga Netto e tantos outros do entorno do ex-presidente, a intentona golpista ficou limitada a circulação de informações desencaixadas sobre como a trupe bolsonarista queria permanecer no poder após perder a disputa nas urnas. Agora, o quebra-cabeça parece mais bem montado, ainda que seja possível avançar mais. Houve o planejamento de um golpe, que incluiu até mesmo a tentativa de assassinato de Luiz Inácio Lula da Silva, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes.
Nada disso chega a ser surpreendente. A construção discursiva de fraude nas urnas eletrônicas, as sucessivas tentativas de descredibilizar o sistema jurídico brasileiro e mesmo o comportamento pró-militarismo, que enaltecia a fase obscura da Ditadura Militar no país, davam sinais claros de que a institucionalidade nunca foi o forte dessa turma. O conceito de pós-verdade nunca coube tão bem para a realidade brasileira. O constrangimento que agora o cidadão médio deveria sentir ao defender essa ruptura, ainda que no subconsciente, deveria ser gigante, mas não me parece ser um cenário possível.
Bolsonaro e a turba vão acusar a PF de estar instrumentalizada pelo governo Lula e, caso a Procuradoria-Geral da República (PGR) transforme o indiciamento em denúncia, vão apelar para o vitimismo que tanto criticam nas minorias socioeconômicas brasileiras. Em caso do Supremo Tribunal Federal (STF) tornar qualquer um dos 37 indiciados em réus, vão sobrar esforços de reverter o discurso para transformá-los em vítimas do sistema ao qual eles tentaram subverter não pela via democrática, mas por um arroubo golpista.
Para quem apoiava deliberadamente o regime militar e chamava o golpe de 1964 como revolução, a subversão do sistema, em tese, causaria ojeriza. Todavia, a trama desvendada pela PF e tornada pública com a denúncia mostra exatamente o contrário. Foi esse núcleo da extrema-direita que tentou se apropriar do Brasil através da subversão — das instituições, da democracia e do povo brasileiro. O difícil, entretanto, é que os cidadãos tenham a dimensão real e integral do risco que corremos entre o segundo turno das eleições de 2022 e o fatídico 8 de janeiro de 2023, quando vândalos acabaram instrumentalizados pela estratégia golpista (e felizmente fracassaram).
Não houve apenas batom na cueca, para utilizar uma expressão popular e bem típica de situações que envolvem traições. Provas documentais e indícios graves explicitam que o golpe intentado não aconteceu por certa ironia do destino ou como parte importante da construção narrativa de que fomos salvos por aqueles que interromperam “Punhal verde amarelo”. Faltaria algo mais para admitirmos que 2022 foi um ano decisivo para o futuro do Brasil? O relatório da PF reforça e comprova isso