Jhonatas Monteiro não atingiu o quociente eleitoral necessário para garantir uma vaga na Câmara Municipal
No último domingo (06), os eleitores de Feira de Santana, a 100 Km de Salvador, assim como das demais cidades do Brasil, foram as urnas escolher prefeito e vereadores. Entretanto, um fato inusitado chamou a atenção: o vereador mais votado da cidade, mesmo ficando em primeiro lugar, não foi eleito e ficou sem uma cadeira na Câmara Municipal.
Com a totalidade das urnas apuradas, Jhonatas Monteiro, do PSOL, obteve 10.980 votos, o equivalente a 3,31%, cerca de 4,5 mil a mais do que o segundo colocado, que acabou sendo eleito em primeiro lugar. O psolista sequer ficou como suplente.
Resultado TSE
Por que isso aconteceu?
No Brasil, as eleições para as Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e Câmara dos Deputados observam o sistema proporcional de votação, que leva em consideração os votos diretamente recebidos pelos candidatos, mas também depende do conjunto de votos nos partidos e federações.
Na prática, a equação matemática se resolve da seguinte forma:
O número de assentos que um partido conquista no legislativo depende do número de votos que a legenda obtém como um todo. Ou seja, quando o eleitor vai à urna e vota em um candidato ou candidata, ele também está determinando a quantidade de cadeiras que o partido daquele candidato ou candidata terá. Esse é o quociente eleitoral.
Vejamos:
Considerando uma cidade com 10 mil votos válidos (sem brancos ou nulos) e 10 vagas na Câmara Municipal, o "quociente eleitoral" é calculado a partir da divisão da quantidade total de votos válidos, ou seja, 10 mil, pela quantidade de assentos, 10.
Desta forma, cada legenda ou federação precisa de, no mínimo, 1 mil votos para garantir uma cadeira. Lembrando que, após a distribuição inicial dos assentos, algumas vagas ainda podem sobrar.
Observando o cenário eleitoral da 'Princesa do Sertão', Feira de Santana teve 332.051 votos válidos para vereador e 21 cadeiras na Câmara Municipal em disputa. Assim, cada partido ou federação deveria obter, pelo menos, mais de 15 mil votos para eleger um vereador.Divulgação/Câmara Municipal de Feira de Santana
Como visto, Jhonatas Monteiro, do PSOL, obteve 10.980. Mesmo somando com os demais votos do seu partido ou federação, a quantidade necessária não foi alcançada, o que o deixou de fora do legislativo de Feira.
Em conversa com o BNews, o cientista político e professor Claúdio André de Souza, afirmou que situações como essas sempre atingem partidos menores.
"Esses casos acontecem e sobretudo com partidos menores. Eu vejo que o principal erro que a gente pode detectar foi a condição do PSol, que é federado com a Rede, ter uma chapa mais competitiva em Feira de Santana. Então, essas coisas acontecem e de alguma forma atingiu o PSol diretamente, pela incapacidade de conseguir ter, de fato, uma chapa mais forte, mais robusta, que atingisse o quociente eleitoral. Outra coisa importante é que ele [o quociente eleitoral] existe, exatamente, para dar suporte, para dar voz, para dar legitimidade democrática, aos pequenos partidos, porque, veja, o cálculo é simples: você pega os votos válidos, divide pela quantidade de cadeiras, aí você vai ter a necessidade que cada partido ou federação atinja aquela cota. O quociente é uma cota para que seja dada uma vaga para um determinado partido", ressaltou o professor.
Segundo Claúdio André de Souza, esse modelo ajuda partidos menos expressivos.
"Essa regra, ela tem como princípio a proporcionalidade, exatamente porque os partidos que são poucos votados, se a gente tivesse um modelo distrital, a gente teria, obviamente, talvez, poucos partidos governando, porque os partidos maiores, com mais dinheiro e tal, se organizariam para ganhar em todos os distritos. E o descarte de votos seria maior. Deixa eu dar um exemplo: no modelo distrital, se a gente está aqui em Brotas, né, e o União Brasil ganha Brotas, e parte de Brotas tem direito a apenas um vereador, todos os votos de Brotas são descartados, né, porque ganha o primeiro, ganha aquele que tem, né, majoritariamente, mais votos. No modelo proporcional, do sistema proporcional, cada vaga é dada a quem tem aquela cota de votos. Então é mais democrático. Na minha visão, é um modelo ideal porque consegue garantir de fato que a gente tenha condições, né, de que os partidos menores tenham condição de entrar na câmara e ter pelo menos uma vaga", disse.
Ainda de acordo com o cientista político, o que aconteceu em Feira de Santana foi uma "tragédia de percurso".
"O que aconteceu aí foi uma tragédia de percurso, um acidente de percurso. O partido não soube mensurar, projetar muito bem, essa questão da distribuição de votos e do lançamento de candidaturas competitivas na cidade de Feira de Santana. Então, infelizmente, essa situação é dramática, mas faz parte da política. Então, é algo que a gente deve, inclusive, entender que, com o fim das coligações proporcionais, a vida ficou mais difícil para os partidos menores, tá? Não é por conta do quociente, mas a própria mudança na legislação, para gerar mais força e representatividade para os partidos que têm mais votos, né? Então esse é um elemento importante para a gente levar em consideração'", afirmou Claúdio André.
Também ouvido pelo BNews, Neomar Filho, advogado e consultor jurídico, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, e da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil na Bahia (OAB-BA), além de especialista em Processo Legislativo Municipal e professor de Direito Eleitoral, destacou que o sistema proporcional possui "defeitos", mas garante a pluralidade de partidos.
"O sistema proporcional, assim como qualquer outro, tem os seus defeitos. Mas, ainda assim, entendo que é uma boa opção para garantir uma participação heterogênea de forças partidárias no Poder Legislativo. Vejo, inclusive, como algo que permite fortalecer os partidos políticos. Contudo, é preciso compreendê-lo antes da formatação das chapas de candidatos e candidatas, de maneira a não acontecer o que aconteceu em Feira de Santana", apontou.
Neomar Filho alegou ainda que o sistema proporcional exige que os candidatos, partidos e federações se engagem ainda mais nas campanhas eleitorais.
"O sistema proporcional acaba por exigir um maior engajamento entre os candidatos, candidatas e os seus respectivos partidos políticos. Utilizando o exemplo de Feira de Santana, um partido político não é feito de uma única pessoa. No momento não vejo outro modelo que seja melhor e mais coerente, para a eleição no Parlamento, do que o sistema proporcional".
E emendou:
"O quociente eleitoral funciona para possibilitar uma composição plural no Parlamento, permitindo um amplo debate de ideias e tendências partidárias no âmbito do legislativo. O partido político que não alcança esse número, ou que não consegue chegar próximo a ele, não consegue eleger nenhum representante".
Em entrevista logo após o primeiro turno, Jhonatas Monteiro, mesmo saindo derrotado, defendeu o sistema proporcional adotado para o legislativo brasileiro.
"Eu já fui eleito como o vereador mais votado da história do município em 2020 e agora repeti isso com cerca de 2.500 votos a mais do que o nosso próprio resultado que já era, como eu disse, uma marca na história do município. Mas, ao mesmo tempo, o nosso sistema eleitoral é marcado pela proporcionalidade. É importante que exista a proporcionalidade. Eu não sou daqueles que é contrário, que defende, por exemplo, o sistema de voto distrital e outros modelos que existem por aí. Eu acredito que a proporcionalidade contribui para que haja uma diversidade da representação nos espaços parlamentares, que as correntes de opinião, que também são diferentes na sociedade, se vejam mais abrigadas. Mas é evidente que falta alguns pontos de balanceamento, porque, muitas vezes, o sistema eleitoral se distancia muito da vontade popular. O que a gente viu agora, isso se deve a uma cláusula introduzida mais recentemente na legislação eleitoral, que tem uma certa tendência a aumentar esse tipo de distorção. A gente está assistindo agora, nesse processo de eleição municipal, os exemplos, talvez, mais gritantes. O caso lá de Feira de Santana, acho que é o caso, talvez, na Bahia, mais evidente, porque a nossa votação, ela é, inclusive, quase cinco mil votos de diferença do segundo colocado que foi eleito, disse o psolista.
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